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As Crónicas da Vítima

As Crónicas da Vítima

Escrevo

06.02.22 | Bruno

Escrevo para sossegar a alma, mas a inquietude, muitas vezes, não me deixa escrever. Tenho que criar uma certa disciplina de me sentar e escrever, mesmo quando sentir que não tenho nada a dizer. Não é obrigatório publicar: felizmente, a pasta de rascunhos existe e se, um dia, lá for e vir que algo deveria ser editado e, consequentemente, publicado, então fazê-lo.

Escrevo, para sossegar a ansiedade: a ansiedade que me persegue e, como sempre, faz-me seguir e deixar de seguir pessoas conhecidas e estranhos atraentes no Instagram e no Twitter (mal uso o Facebook, nem o tenho no telemóvel). A ansiedade que sinto de bloquear alguém que quer sem querer, que bloqueia por não saber lidar com o que quer. Não tenho idade, nem paciência para continuar a lidar com este género de situações, mas o facto é que esta cidade consegue ser pequena demais para os dois, especialmente quando nos movemos nos mesmos círculos. Esta noite, o meu olhar pousou sobre ti, até se limitar à indiferença: quem diria que a ansiedade se tornaria num sentimento de libertação?

São quatro e meia da manhã. Em tempos, estaria a ver imagens no Tumblr e a reblogar aquelas de que mais gostasse. Há muito tempo que deixei esse espaço. Estive a ver o Twitter, mas mina-me uma imensa insatisfação por quem sigo e por quem deixo de seguir. uma vez mais, a ansiedade acaba por levar a melhor e eu terei que, outra vez, fazer uma limpeza - desnecessário, mas ajuda-me a lidar com as incertezas.

Correm, na minha mente, certos versos. Versos que li e versos que sonhei. Versos que deveria ter escrito, encontrasse uma brecha de disciplina e de vontade de sentar-me e escrever no computador. Sei que o tempo neste mundo é-nos limitado e que, em pensando ou sentindo, deveria escrever. Talvez carregue comigo um pequeno bloco de notas. Talvez me deixe ficar nesta ânsia.

Escrevo para não fugir e fujo por (ou para) não escrever. No ar, eleva-se o fumo do meu cigarro e, com ele, alguns sentimentos. Ultimamente, penso nos meus mortos: são tantos, alguns velhinhos, outros tão jovens e é já tanta gente que se foi embora. Um dia após o outro, o vazio que não se preenche e a dor que se transforma num novo vazio. Os meus gestos ensaiados que roçam o espaço da sala, como se fosse a imensidão do Universo. As luzes apagadas e as sombras que vejo pelo canto do olho e o olhar que evito no espelho. A minha voz dilacerada pelos anos e pelos danos, o olhar perdido na distância, o meu afastamento cada vez maior da maioria das pessoas.

Escrevo, porque nas raras saídas à noite, ultimamente sempre sozinho, escolho os domingos e as segundas. As noites do desassossego no sossego e a mais ampla visão pelas ruas onde paro. As noites em que consigo ver o fim da rua e antecipar a aproximação de um movimento ou de um olhar que me desagrada e, como num sonho, antes que sonhe aproximar-se, já desapareci. Pego num copo de plástico com sangria e sento-me no passeio do outro lado da rua. Fumo um cigarro e desapareço, até regressar para mais uma sangria. Porque as noites são a minha casa e as ruas o meu lugar sagrado. Porque aquilo que a maioria chama de solidão, eu chamo de mim: um abraço em que me envolvo em mim próprio e as lágrimas, que quando correm, afago-as no meu próprio ser.

Enquanto as pessoas escolhem conhecer novas pessoas, escolho evitá-las e afastar-me o mais possível. "Quem te fez tanto mal, que te tornaste nisso?" perguntam-me. E só posso responder que foi a vida e a enorme quantidade de filhos da puta que colocou no meu caminho. Mas não estou só e não me sinto só ( a maior parte das vezes): tenho o vento frio do Inverno ou abafado do Verão, o barulho das folhas das árvores e os animais que vou vendo pelas ruas. Tenho os fantasmas do que fui e do que ambicionei ser e as memórias daqueles que se foram embora e dos que foram embora e tenho a esperança. Tenho a esperança de conseguir continuar a sonhar e a fantasiar e, quem sabe, de sentar-me e escrever tudo isso, porque, no fim, é tudo o que terei deixado.

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