Então, a Ana de Deus desafiou-me a escrever um texto na premissa de uma eternidade de Clarice Lispector, deixando em aberto a existência de várias eternidades. A ideia é interessante e, se pensarmos bem, a intepretação da Ana está correcta.

Ora vejamos: ainda que se fale na eternidade como um todo, já todos nos queixámos de que alguma coisa levou uma eternidade a concretizar-se. Temos a eternidade da fila de espera dos correios, quando queremos enviar uma carta para os amigos; a eternidade de um beijo que dura segundos; e a eternidade de existir, quando a dor e o luto tomam conta de nós e dos nossos sentidos; a eternidade de um momento de tédio, em que olhamos o espaço e deixamos fluir os nossos gestos mais estudados.

"Ah, esse verso imenso de ansiedade,
Esse verso de amor que te fizesse
Ser eterno por toda a Eternidade!..." Florbela Espanca in "Escrava"

Se a eternidade é uma só, a infinidade de tempo que, mesmo sendo apenas uns minutos, parece tomar conta de nós, quando algo se demora, como os nossos planos ou os nossos projectos, pode ser visto como uma eternidade. E porque, como em tudo na vida, quando os olhares se demoram um no outro, a aternidade das almas a tocarem-se entre si.

Ainda que a eternidade possa demorar-se, também, pelos textos, esta eternidade fica finita. porque, no fim de contas, há uma eternidade de outras palavras e outras gentes para se ler!